quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Aposentadoria Honrosa


Reproduzo aqui uma das histórias mais interessantes que eu conheço, na narrativa do padre Carlos G. Vallés, SJ, no livro "Saiu o semeador...

"Aposentadoria honrosa

Esta é uma história verdadeira, dos anais das estradas de ferro da índia.

Um trabalhador chamado Ramsharan Chaudhari aposentou-se, depois de haver trabalhado durante trinta anos no mesmo cargo, na mesma estação de Benarés.
Seus companheiros e chefes organizaram uma festa de despedida, com as honras que ele merecia, por sua constância e fidelidade ao trabalho, e lhe ofereceram um relógio de ouro, que cada um ajudara a pagar.
Foram feitos discursos, e lhe deram felicitações, e o diretor geral da ferrovia, que presidia a festinha, perguntou:
- Você poderia, por favor, nos explicar que tipo de trabalho foi que realizou tão fielmente, durante todos esses anos?
O bom homem mostrou então o grande e pesado martelo que tinha sido seu fiel companheiro e sua única ferramento durante trinta anos, e que trouxera consigo à festa, e explicou: - "Quando um trem chegava ou saía da estação, eu tinha que dar uma martelada direta em cada roda, de cada vagão, e gritar: "Vale!" Era só o que eu fazia.
- E será que poderia nos dizer- insistiu o inspetor geral- para que fazia isso?
E o honrado trabalhador respondeu:
- Isso eu nunca fiquei sabendo, senhor.
Quem deve saber são vocês da diretoria.



O bom homem tinha passado toda uma vida experimentando as rodas dos trens sem saber o que fazia, isto é, sem experimentá-las. O barulho que produz a roda, quando recebe uma martelada, e que é diferente em cada caso, devria dizer ao trabalhador, bem preparado para seu ofício, se a roda estava ou não em condição de continuar sendo usada na viagem. Mas àquele homem não tinham ensinado essa parte de seu trabalho, e ele tampouco havia perguntado. Durante longo trinta anos, vinha martelando roda depois de roda,e gritando: "Vale!", e ia para casa satisfeito, todas as noites, por ter cumprido o dever e ganhado honestamente seu salário. Não importa quantos acidentes de trem ocorreram durante todo esse tempo, por causa de um defeito não descoberto em uma roda qualquer. Ele tinha feito com a maior fidelidade, ao longo dos trinta anos, a mesma coisa que lhe tinham mandado fazer no primeiro dia de serviço.

Achava que não devia fazer perguntas, para não criar problemas. Bastava fazer exatamente o que lhe haviam dito. Ainda que as ordens parecessem absurdas, ele pensava que os superiores entendiam e sabiam o que estavam fazendo. Não lhe pagariam salário para nada fazer. Alguma razão deviam ter para que o mandassem dar aquelas marteladas. O trabalho talvez fosse monótono e cansativo, mas o bom homem sentia-se orgulhoso, porque cumpria seu dever. E passara uma vida inteira dando marteladas. E, no fim, ganhou um relógio de ouro de presente. Uma aposentadoria honrosa.

Não faça perguntas. Os chefes sabem de tudo. Muito embora não parece fazer sentido algum no trabalho que você faz, continue trabalhando. Tudo o que pedem é que você faça o que mandam. Continue dando marteladas nas rodas. Dia após dia. Trem após trem. Faça a mesma coisa que mandaram fazer no primeiro dia, embora a tenha de fazer durante muitos anos. Os princípios eternos não se alteram. Continue assim a vida inteira, e no final talvez ainda ganhe um relógio de ouro. E farão uma festinha em sua honra. E, se alguém perguntar o que você fez a vida inteira, não tenha vergonha de responder. Todos eles fizeram a mesma coisa."

Padre Carlos G. Vallés

Nenhum comentário:

Postar um comentário