segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Terra dos Homens




Ontem, dia 14 de Novembro de 2010, foi um dia festivo e alegre para vários jovens da Paróquia de São Gerardo: o Movimento Juventude Shalom da Paróquia completou sua décima segunda primavera, com direito a apresentação de uma bela peça teatral e da presença do pároco.

Era claramento visível no sorriso de vários deles a alegria daquele momento, a euforia daquela comemoração, o contentamento naquela celebração.

Depois da Santa Missa, dirigimo-nos a uma lanchonete, com o propósito de finalizarmos aquele momento diante de uma amena refeição.

No meio das acoloradas convesas, dos exuberantes sorrisos, das animadas conversas, aparece-nos de surpresa uma senhora, já com seus cinquenta anos. Com um pequeno véu na cabeça, visivelmente bêbada, aproximou-se de nós falando as típicas trivialidades daqueles que se deixaram vencer pela bebida: "Sou Dilma. Eu sou é Dilma. Mas perâ aí, deixa eu sentar que eu tô beba".

Afastou-se um pouco de nós. Pudemos esquecer um pouco de sua presença, porém isso não durou muito tempo. Sentou-se na mesa ao lado e começou a exigir que a deixássemos em casa de carro: "Porra! Eu tô bêbada. Me deixa em casa. Vocês são maus. Todo mundo sabe ser mal, mas quando é para ajudar!"

Um grande amigo meu que estava ao meu lado ainda se mostrou solícito:

Ele: "Onde é que a senhora mora?"
Ela: "São Gerardo"
Ele: "Mas em que rua?"
Ela: "São Gerardo".
Ele: "Não, eu sei, mas quero saber a rua.
Ela: Vai...

Bem, não repetirei aqui as palavras agressivas que se seguiram, o que deixou meu amigo visivelmente irritado.

A presença começou a ficar demasiadamente incômoda. Disse que tinha que voltar para casa, pois amava o marido. Disse que ele estava morrendo. Disse que era cigana. E continamos a sermos incomodados pela inoportuna presença daquele senhora bêbeda e agressiva naquele momento festivo. "Ou vocês me matam ou eu mato todos vocês"- chegou a dizer em um dos delírios causados pelo álcool.

Tomou a liberdade de sentar-se conosco à mesa. Dentro em pouco, duas jovens que estavam ao seu lado procuravam conversar com ela, alertando para o risco da bebida. Quando percebi, a senhora estava aos prantos. Seu marido estava morrendo com câncer. Dava golfadas de sangue. Ela dizia insistentemente que o amava e que ele precisava dela.

Percebi, só então, que aquele vício era a forma que ela tinha de esquecer seus sofrimentos, suas misérias, seu marido... de esquecer-se do mundo e de si mesma. Senti-me emocionado diante daquela mulher.

Ela via a morte do seu marido chegar a passos largos- acompanhada de dolorosa agonia e de derramamento de sangue. E assistia aquilo impotente, com as mãos amarradas e os olhos marejadas.

Não a conheço. Provavelmente, nunca a tinha visto antes, nem sequer de relance; mas aquela mulher parecia trazer em si as marcas de uma vida carregada de sofrimentos e sulcada de amarguras - e agora, já idosa, tinha que assistir impotente ao desfalecimento do seu marido.

Ali, a vida me pregava mais uma de suas peças. A alegria exuberante de um momento festivo se deparava, nua e crua, diante do sofrimento e da miséria. Suas lágrimas eram o contra-ponto de nossos sorrisos; seu desabafo, o oposto de nossas conversas.

Assim, somos nós nesta Terra dos Homens. Caminhamos neste Vale de Lágrimas entre as alegrias e as tristezas; as festas e os lutos; a vitalidade e o desfalecimento; o gozo e a dor; a felicidade e as tristezas.

A verdade é que a vida é uma "Roda Viva". Lembro-me que, quando pequeno, minha avó sentou-me no colo, pegou a minha mão, e começou a "desenhar" com seu dedo um círculo, explicando-me que a vida é cheia de altos e baixos, e que nunca sabemos o que nos espera na sua próxima etapa.

Eu estava em uma lado da mesa oposto ao dela. Tenho plena consciência que amanhã posso ocupar o espaço que ela ocupava ontem. Percebi, mais uma vez, que há milhões de almas nesta Terra dos Homens que, consumidas pela dor, necessitam de uma apoio, de uma ajuda, de um ombro amigo- e que também é meu dever ouvir àqueles a quem o mundo não dá direito à palavra e falar àqueles a quem o mundo não quer a presença.

Se andarmos juntos, as quedas da vida serão menos dolorosas, pois o amor não sabe calcular direito: pois quando estamos juntos ele multiplica as alegrias, mas divide a dor.

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