quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

O leão e o Cordeiro




Neste período do Advento, os corações cristãos já estremecem diante da expectativa do Natal. A contemplação do Menino Jesus, deitado numa manjedoura, comove os mais empedernidos corações e arranca dos lábios piedosos as mais ternas canções em que Deus é tratado de forma nunca antes imaginada: "Noite Feliz! Noite Feliz!(...) Pobrezinho, nasceu em Belém (...) Dorme em paz, ó Jesus. Dorme em paz, ó Jesus".

Esperávamos um Messias que tirasse Jerusalém do julgo Romano e que governasse com cetro de ouro os assuntos temporais da Terra. Ansiávamos por um líder nato que governasse com maestria e dominasse com força. Mas Deus, que às vezes quase me parece apresentar como que um certo senso de humor, para nos derrubar do pedestal de nosso orgulho e afirmar que Ele não é como nós, vêem ao nosso encontro pedindo colo, no corpo de frágil bebê e dizendo: “O meu reino não é deste mundo”.

E então nossos corações ficam mais uma vez abismados com a forma desconcertante de Deus agir, pois, assim como é distante o céu da Terra, são distantes os nossos pensamentos de Seus pensamentos. Os mitos antigos assustaram a humanidade com o Ragnarok- a morte dos deuses-; mas como agora é a vez de Deus assustar a Humanidade: e então, o Verbo de Deus se fez Carne e habitou entre nós.

Mas, neste pequeno bebê, parece que estão presentes todos os paradoxos, estão latentes todas as forças. N’Ele percebemos que a Misericórdia e a Justiça; a Luta e a Mansidão; o Ódio e o Amor não apenas se cumprimentam, mas sim se beijam.

E ao lembrar da Bíblica profecia, ficamos enternecidos por tal fineza em Seu amor: "O lobo e o cordeiro viverão juntos e o leopardo deitar-se-á ao lado do cabrito".

O Leão de Judá, o Rei dos Reis, Aquele para quem tudo foi feito nos vem mais frágil do que um Cordeiro. Ao contemplarmos o Divino Infante, como que vemos em Sua Pessoa o Leão de Sua Realeza e Sua Onipotência deitado com sua mansidão e humildade- a mansidão e humildade do Cordeiro de Deus.

O Eterno irrompe no tempo. Aquele que é Infinito surge na História Humana. Aquele que transcende o Espaço, o Tempo e a Matéria encarna-se como um pequeno infante. Tudo são contrários, tudo são desconcertos, tudo são paradoxos, porque Tudo É Amor!

E essas finezas de Seu amor são perceptíveis em toda a Sociedade Cristã. Fazer o Lobo deitar lado a lado com o Cordeiro: eis o desafio que o Cristianismo enfrentou; eis o milagre que conseguiu.

Como argutamente percebeu o filósofo britânico G. K. Chesterton, o equilíbrio cristão não está no meio dos contrários, mas sim em sua correta justaposição. Não diz para o Leão ser manso, nem para o Cordeiro ser valente; mas diz sim, preservando as qualidades de cada um, faz que um se deite ao lado do outro. Muitos esperariam daí uma catástrofe, mas o que veio foi um milagre.

Essa justa composição dos extremos esteve presente em toda a História do Cristianismo. A ferocidade do Leão fez bravos cruzados mergulharem suas espadas no sangue para livrar a Europa dos ataques mulçumanos. A mansidão dos Cordeiros fez santas e santos agradecerem aos seus carrascos e os beijarem na face. O amor ao mundo fez com que os cristãos chamassem a natureza de “minha irmã, provinda da mãe do mesmo Pai”, mas o ódio pelo mundano fez com que os santos bradassem e nações inteiras se convertessem. O amor à vida humana fez com que os cristãos dissessem às esposas: “sejam fecundas”, e o amor pela vida espiritual fez com que dissessem às consagradas: “não tenham filhos”. Só mesmo esse milagre da justaposição harmônica dos contrários fez com que pudéssemos odiar com todas as forças o pecado, mas amar com toda a doçura o pecador.

O equilíbrio então encontrou um novo ponto; ou melhor, inspirado em Cristo, a humanidade encontrou um novo equilíbrio. A virtude- que para os pagãos estava no meio- descobre-se perdida nos cantos opostos da alma humana.

E hoje as festivas luzinhas coloridas nos relembram que a própria Luz veio à Terra. Ele veio para o que era Seu, mas os seus não O receberam; mas temos a graça de ter conosco Ele mesmo, por meio de Sua Igreja.

Termino com Chesterton, a quem devo todo esse texto:

”É simples cair; há um número infinito de ângulos que leva à queda, e apenas um para mantê-lo de pé. Cair em qualquer um dos modismos, do agnosticismo à Ciência Cristã, teria de fato sido muito óbvio e sem graça. Mas evitá-los a todos tem sido uma estonteante aventura; e na minha visão a carruagem celestial voa esfuziante atravessando as épocas. Enquanto as monótonas heresias estão esparramadas e prostradas, a furiosa verdade cambaleia, mas segue de pé".

2 comentários:

  1. Ótimo texto. De profundidade ímpar e as brilhantes colocações.
    Sinceramente, ainda não tinha lido nada sobre o Advento sob esta perspectiva.

    Muito bom mesmo, Parabéns...

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  2. Leandro e Chesterton, a dupla.
    Muito bom o texto.

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